25 dezembro 2008

Pas de valse?


A cintura aperta e dói
O corpo magoado cansa-se
A mágoa aperta, dói, magoa
O arrependimento suja o pensamento

Suja o brilho
Suja os passos
Suja o sorriso
Suja o dançar

Suja o dançar esquecido
O genuíno e elegante
O gracioso o cativante
O dançar que foi

O dançar que foi e já não o é
O dançar que entrou e ficou
O dançar que já não se vê
O dançar que sinto (corrigido, compassado, genuíno)

Corrijo o pas de burré da rotina
Limpo o plié das dificuldades
Luto pelo atitude da determinação
E deixo-me levar pelo pas de valse genuíno, elegante, gracioso, tão meu... o tão meu pas de valse.

Porque "há dias em que não cabes na pele com que andas", há dias em que não consigo encontrar o pas de valse que me dá garra e sentimento para viver. Há dias em que luto por todos os passos que me completam. Há dias em que vejo apenas os passos a fugir.

"Há dias em que não cabes na pele com que andas"
Há dias assim...

24 dezembro 2008

Vens?


Queres vir comigo?
Vamos passear, brincar, aparvalhar?
Vamos ver o mundo azul?
Vamos dar cambalhotas e piruetas?
Vamos ser crianças outra vez?
Vamos lutar por aproveitar o que é bom?
Por saborear o café que temos o prazer de tomar?
Por saborear a gargalhada matinal?
Por saborear o sorriso daqueles de quem gostamos?
Por saborear o abraço quentinho que recebemos?
Por saborear o sorriso e o "gosto de ti" que ás vezes ouvimos?
Vens?
Vens viver?
Vens sonhar?
Vens ouvir esta música comigo?
Vens sorrir só porque te apetece?
Vens sentir o frio de Natal que sabe bem?
Vens sentir o calor de Verão que é essencial?
Vens sorrir?
Hoje apetece-me ver tudo de bom, mesmo no mau. Não é por ser Natal (nem que fosse Carnaval). É porque assim... assim... vale a pena viver!
Vens? :)



Garota de Ipanema - Tom Jobin

19 dezembro 2008

Sorriso plasticamente ensaiado



Não há pior dia do que aquele em que não percebemos porquê. Aquele em que tudo pára, em que a realidade parece diferente, em que a nota que toca no piano é sempre a mesma, ao mesmo ritmo, insistentemente e repetidamente enervante. A nota que nos vai desgastando, aquele desgaste que não é recuperável, aquele que fica como a cicatriz da nossa pior queda.

...

É de maneira fria que dá para passar por isto. Hoje olho lá para fora e está a chover. Esperei pela noite para escrever. É um tema escuro e obscuro. Mas é real. E revoltante. E é ainda mais revoltante não ter com quem me revoltar. Não saber a quem pedir para devolver a vida a quem de direito. Revolta-me porque me revolta. Revolta-me. É, a vida continua. (Bem fácil de dizer). Queria ter tempo para pensar nas férias que não tive. Queria ter tempo para chorar a morte que não me secou as lágrimas (ainda). Queria ter tempo.

Sei de cor aquela viagem. “Próxima paragem: IPO”. As minhas pernas levavam-me para onde não queria ir. Chegava, sentava-me, olhava. E passava as horas só a ver se ela respirava (já não tinha força para não dormir). O bebé passou a ser ela (e não eu). Os gemidos eram inquietantes. Em nada se assemelhavam à nota do piano que tocou insistentemente dia 30 de Outubro. E não era o piano que queria ouvir.

As veias frágeis deixavam transparecer o negro massacrado da doença que chegou sem avisar. Sem pedir licença, sem bater à porta. O senhor do quarto ao lado já não o vi hoje (ouço os sinos da igreja). O marido daquela que tem menos que quase todas as mulheres fuma um cigarro atrás do outro. As visitas vão aparecendo e vou subindo e descendo o elevador ... (e todos os outros que conhecem de cor a paisagem cinzenta daqueles quartos). A máquina de café e a sala de espera. Já me sinto da casa. Já me conhecem. São muitas horas. O turno chega ao fim quando a minha mãe corre do trabalho. Traz sacos carregados dos últimos prazeres da vida de quem a trouxe ao mundo. Reparo que as olheiras dela estão mais carregadas. Os olhos caem tristes com réstias de esperança. Não devia ir embora, penso. As visitas chegam atropelando-se no tempo daquele que não é o meu turno. Vou-me embora. Amanhã chego e dou mecanicamente o cartão para receber o número do quarto que já não pronuncio. (Conhecem de cor o meu sorriso ensaiado de quem plasticamente faz que não sofre para dar alegria aos olhos azuis responsáveis pelo meu olhar, também ele azul, demasiado transparente). Ela agora já nem os meus olhos vê. Vou-me embora.

Agora, em casa, ela ganha uma esperança que tenta esconder. A doença é demasiado galopante. E vejo nas minhas memórias as crianças de máscara, os tubos anti anatómicos a entrar pelo corpo queimado por químicos falsos e fortes (e fracos). Hoje já não quer luz, já não quer som, já não quer cheiros. Hoje já não sabe quem eu sou. Desvio o olhar para fingir que não vejo a morte a chegar e que amanhã vai estar tudo bem. Já não sinto o cheiro fresco a gardénias. Já não tenho o bolo de chocolate domingueiro (mais doce que qualquer bolo).

Balanço anual: crescer à pressa, fingir que nada aconteceu. Continua a chover lá fora, o tempo passou ao mesmo ritmo, a escuridão é exactamente a mesma. O piano continua a tocar num concerto particular. A minha mãe continua de preto. Eu mantenho o sorriso ensaiado de quem plasticamente faz que não sofre para dar alegria agora aos olhos castanhos ainda mais tristes de quem me trouxe ao mundo. Vou-me embora.