29 março 2010

caixa pequena

Afastei as cortinas, abri as janelas e comecei a varrer. Primeiro calmamente, depois vigorosamente com raiva, depois com apatia. Peguei nas caixas, abri e redistribui tudo o que continham para que não houvesse um papel fora do lugar. Ordenei, umas atrás, outras à frente, segundo a lógica do coração. Nem pensei, sabia as que tinham que ficar mais atrás, acima ou abaixo. Apenas sabia. Aquela pequenina não tinha lugar. Não sabia onde a encaixar. Tinha que ficar atrás, isso sabia. Mas não havia nenhum lugar digno do seu conteúdo. Não havia.
Estava cansada e a caixa continuava na minha mão. Não sabia o que lhe fazer. Continuava na minha mão. E com ela na mão, lembrei-me.
Naquele dia, passeamos as duas descalças na praia. Deixamo-la na cadeira entregue às suas futilidades de quem nunca amou nem nunca lutou por nada na vida. E fomos as duas. Não gostava daquela praia, nunca gostava das praias que tu escolhias, mas acho que nunca te disse. Apenas respeitava o caminho que tomavas, por isso nunca te disse (nunca pensei que te deveria dizer). E caminhamos as duas. Contei-te do meu primeiro amor. Naquela altura tinha a certeza que a história tinha acabado, ele estava longe e sempre preferi não lutar, por muito sonhadora que sempre tenha sido. Tu disseste-me coisas que não acreditei, que não sentia naquela altura. Devia ter-te ouvido, tu que tinhas a voz da experiência e sempre soubeste tanto de amor, tu que só tiveste um grande amor na vida, mas foi sempre o amor da tua vida. Tu disseste tudo que vim a sentir mais tarde. Se te tivesse ouvido naquela altura não tinha chorado daquela vez. Era Setembro e ainda era tão pequena. Mas chorei, devia ter-te ouvido. Mais tarde voltei a sentir tudo outra vez, não com aquele amor que, na verdade, nunca o foi porque a distância não me permitiu ter a coragem de arriscar. Tu disseste tudo o que eu ia sentir na minha vida de cada vez que a história repetisse, e disseste tudo o que devia fazer de cada vez que a história se repetisse. E por duas vezes não te ouvi. E por duas vezes me arrependi.
Podias estar cá para passearmos na praia que nunca gostei para me contares o que fazer agora. Fazes-me falta. Odeio 29. A ausência tira-me a respiração.
703. Foi sempre o que me quiseste dizer.
(fizeste muito mais do que me curar da febre quando era pequenina. fizeste muito mais).
E continuo sem saber onde esconder a caixa...

2 comentários:

Raquel Teixeira disse...

Essas caixas nunca ficam verdadeiramente escondidas.

Mariana Catarino disse...

Que bonito*)